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Dia Mundial Sem Carro: dia do desapego

Abrir mão do carro por um único dia dá margem a grandes redescobertas

 Para quem é usuário ou usuária contumaz do automóvel, o Dia Mundial Sem Carro (DMSC), celebrado anualmente no 22 de setembro - neste domingo, portanto -, pode ser bem aproveitado como uma espécie de dia mundial da desintoxicação/desapego/desopilação/descarrego da carrodependência.

Se você, motorista obsessivo, se atrever a provar um dia da vida se locomovendo por outros meios que não o carro, garanto que perspectivas de vida insuspeitáveis brilharão diante da sua pessoa. E a primeira e mais importante delas (acho) será a perspectiva da escala humana, comezinha e simples, aquela que você (quase nunca) vê ou sente de dentro da sua cápsula voadora.
Descobrir que as pessoas e a cidade não são borrões que passam pelo nosso campo de visão de repente, que a velocidade não é um imperativo, que vento também refresca e não resseca as narinas feito ar condicionado, que ninguém precisa ter dor na bunda ou nas costas por passar muito tempo sentado e ainda assim não poder se levantar, que o boletim do trânsito não precisa ser o único som ambiente nos nossos deslocamentos, que as pessoas fora da lata interagem sem xingamentos, que as pessoas fora da lata não necessariamente estão disputando um centímetro de asfalto livre, que as pessoas fora da lata têm uma voz audível, uma pele com textura, um rosto bem definido, um nome e destino a seguir; descobrir que para consertar um trajeto errado você não precisa andar mais um, dois quilômetros no trajeto errado até conseguir acessar o correto, que tendinite não é uma condição natural da vida, que estresse não é uma condição natural da vida, que enxaqueca não é, que perder três horas diárias da vida parado no trânsito não é sua sina porque afinal, você vive em São Paulo e São Paulo, bem, você sabe, São Paulo é assim mesmo. Descobrir que você não precisa ser dependente de um carro porque não precisa mesmo. E ponto.

Abrir mão do carro por um único dia dá margem a grandes redescobertas. Quantas afirmações vitais não podem ser feitas quando se abre mão, mesmo que temporariamente, de um velho hábito. E abrir mão do hábito, nesse caso, é muito mais questioná-lo do que desfazer-se dele.

Se você decidir fazer a experiência do Dia Mundial Sem Carro nesse domingo (ou em qualquer outro dia), vou te dar uma dica: é preciso ir sem durezas, sem restrições, com a mente maleável para absorver muitas diferenças. Trata-se de uma experiência nova, e não de um comparativo técnico entre modais de transporte. Vai ser tempo amargamente perdido se você passar o seu dia sem carro saudoso das comodidades do seu super 2.0 com vidro filmado, ar condicionado e vidro elétrico que ficou na garagem. É preciso estar onde se está, cabeça e corpo. Não compare A com B (carro vs bicicleta, carro vs caminhada, carro vs ônibus, etc). Não diga que não gosta de um modal ou outro se você nem os experimentou direito ainda. Não tenha pressa de que o dia acabe para você pegar seu carro na manhã seguinte. Dê-se uma chance. E não leve muito dinheiro no bolso no seu Dia Mundial Sem Carro, porque nessas horas desafiadoras o diabo da preguiça mental e física empurra a gente pra dentro de um táxi e põe tudo a perder.
E mais uma coisa: não é porque este blog é sobre bicicleta que vamos sugerir a você que saia pedalando nesse domingo. Locomover-se é plural. 
Aqui, uma lista com programação bacana para te inspirar a aproveitar o seu dia do desapego :)